A Visão do Cliente como foco das Ações.

A Visão do Cliente como foco das Ações.

Em 2002 escrevi um artigo intitulado Matriz de Valor, publicado na Revista Marketing Industrial ed 22. Ele nasceu de um trabalho para a disciplina Marketing do MBA que estava cursando na FGV EAESP.

Resumidamente o objetivo desse estudo era encontrar uma forma de avaliar o grau de intimidade de uma empresa com seu cliente, o quanto era próxima essa relação ou ainda conhecer qual seria a intensidade de valor existente. 

A proposta era mensurar o valor do cliente para a empresa, a partir do ponto de vista qualitativo, analisando os eventos e atividades que ocorrem diariamente entre as empresas e que não são apreciados dentro do processo usual de determinação de valor. 

As empresas se relacionam através de pessoas e há uma infinidade de fatos relevantes que escapam dos registros e permanecem na informalidade, ficando apenas dentro das cabeças das pessoas ou até mesmo ocultas.

A ideia era bem simples e consistia de um questionário com perguntas que buscavam conhecer detalhes, eventos ou fatos relevantes da empresa para o cliente e também do cliente para a empresa. 

Algumas das perguntas, da empresa sobre os clientes, eram:

  • Sua empresa solicitou a participação de seu cliente para desenvolverem juntas um produto ou serviço inovador?
  • Sua empresa desenvolveu um produto ou serviço que traduzia uma necessidade implícita do cliente?
  • Sua empresa conhece os principais mercados de atuação de seu cliente e também os principais clientes de seu cliente?
  • Sua empresa prestou auxilio gratuito em assunto como gestão empresarial, jurídico, financeiro ou qualquer outro não comercial?
  • Sua empresa fechou novos negócios com clientes que foram abertos por indicação de seu cliente?
  • Sua empresa convidou seu cliente para auxiliar na solução de algum problema e conseguiram resolver o problema?
  • Sua empresa convidou seu cliente para juntas projetarem cenários e terem uma visão do futuro?

E aqui algumas das perguntas do cliente sobre a empresa:

  • Seu cliente solicitou a participação de sua empresa para desenvolverem juntas um produto ou serviço inovador?
  • Seu cliente encantou-se com sua empresa pelo desenvolvimento de um produto ou serviço que traduzia uma necessidade implícita?
  • Seu cliente conhece todos os produtos e serviços oferecidos por sua empresa?
  • Seu cliente fechou novos negócios com clientes que foram indicados por sua empresa?
  • Seu cliente convidou sua empresa para auxiliar na solução de algum problema e conseguiram resolver o problema?
  • Seu cliente convidou sua empresa para juntas projetarem cenários e terem uma visão do futuro?

O preenchimento seguia uma lógica binária, ou seja, se o fator existisse o valo seria um (1), caso contrário zero (0). Os valores eram somados e o resultado lançado em uma matriz tipo BCG e dependendo do quadrante havia uma avaliação do grau de aproximação entre as empresas.

Os resultados obtidos são lançados na Matriz de Valor abaixo:

As faces opostas do quadrante A representam um distanciamento no reconhecimento mutuo de valor. No quadrante B o cliente enxerga mais valor na sua empresa do que sua empresa enxerga no cliente. Já no quadrante C a empresa faz grandes esforços para destacar-se diante do cliente, porém ele não retribui da mesma forma. Por fim no quadrante D a empresa e seu cliente reconhecem mutuamente o valor um do outro. 

Nesse mês estava iniciando uma nova turma de Estratégia Empresarial na Pós Adm da IBE-FGV, onde atuo como professor executivo, e apresentava aos alunos o Mapa de Empatia, que é uma poderosa ferramenta para se conhecer os clientes. 

O Mapa de Empatia pode possibilitar um melhor entendimento dos clientes, ou seja, o que ele pensa e sente o que ele escuta o que ele fala e faz, o que ele vê, quais são suas dores e seus medos e quais são seus desejos e necessidades.

De certa maneira a Matriz de Valor tinha, em sua essência, o mesmo objetivo que era conhecer melhor o cliente, destacando que ela foi pensada mais para uma aplicação B2B.

Motivado pelos questionamentos dos alunos a respeito da aplicação do Mapa de Empatia e criação de Persona para o B2B revisitei a Matriz com o objetivo de atualiza-la.

Quando foi criada em 2002 ainda não tínhamos a facilidade de acesso a informações que temos hoje. Dessa forma, ter um conhecimento profundo sobre determinado cliente não é mais algo restrito a alguns profissionais. Hoje é possível obter informações com extrema facilidade através de sites da empresa, suas redes sociais, as redes de colaboradores, sites de entidades de classe e associações, pelos veículos de comunicação, blogs etc.

Como a informação genérica se tornou mais conhecida e acessível o desafio agora é conseguir informações que são de foro mais intimo dos clientes, informações mais estratégicas. De certa forma seria como descobrir qual é a visão de 180° desse cliente. 

Chamo de Visão de 180° a maneira como o cliente vê não só o mercado onde se encontram os seus clientes, mas também sua cadeia de abastecimento, de onde também se busca diferenciais competitivos que podem criar uma vantagem competitiva consistente. É aqui que nos encontramos.

Isso de enxergar o mercado com a visão do cliente não é algo novo, ao contrário. Em 1999 tive a oportunidade de participar de um Projeto de Marketing Industrial, desenvolvido na divisão de aços longos do Grupo

Votorantim, em parceria com a JCTM e lá já se falava do conceito de Foco do Cliente, ou seja, observar o mercado sob a ótica do cliente. Isso foi criado pelo Professor José Carlos Teixeira Moreira em 1992.

Dado o conceito, a proposta aqui é pensar uma maneira para melhor operacionalizar a Matriz de Valor, permitindo explorar esse conhecimento mais profundo das relações B2B e possibilitar agregar valor a relação com o compartilhamento das visões. 

Como funcionaria isso? Imagino um evento ou momento que chamarei de VRP onde V é Visão, R é Revisão e P é Previsão, apenas um jogo com a palavra Visão. Esse evento ou momento se divide em três etapas e tem finalidades distintas. 

Quando digo evento ou momento é porque pode ser um workshop, uma reunião formal ou informal, seminário, entrevista ou um bate-papo, isso tudo de forma estruturada ou não. O importante nesse encontro entre as pessoas é a conversa sobre suas visões de 180° do mercado onde atuam, quais são as expectativas, onde estão os riscos. 

Detalhando temos:

Essa etapa VISÃO pode ser entendida como a subida no mirante ou montanha junto com nosso cliente e olhar para o horizonte à frente e observar o lugar a que se quer chegar. Naturalmente cada um deverá ter uma visão dessa paisagem e estará observando e procurando coisas a seu jeito. Também terão expectativas diferentes sobre o que estará pela frente, por exemplo, quanto tempo se levará nessa jornada? Como deve ser o percurso? Há atalhos? Teremos morros a frente com altos-e-baixos em V, U ou W? Qual deverá ser a temperatura na trilha? Há que tipo de riscos se estará exposto? Com quem estaremos dividindo ou competindo nesse caminho? O que precisamos para essa jornada?

Algumas perguntas que se pode fazer aqui são: O que você está vendo? Para onde exatamente está olhando? O que está pensando? Como pretende chegar lá? O que você pretende levar?

O mais importante aqui é que se demonstre um interesse genuíno em escutar o que está sendo dito. É vital estar atento aos mínimos detalhes, aos sinais, dicas, pistas, muitas vezes sutis que indiquem oportunidades para criação de diferentes formas de servir, tangíveis ou intangíveis. Também não se pode esquecer de registrar essas valiosíssimas informações. 

O conjunto de respostas, pistas, dicas, sinais etc. funcionam como se usássemos a luneta do cliente e elas permitirão o ajuste de foco, ou seja, começaremos a perceber, sentir, compreender e olhar o mercado com o FOCO do cliente.  

Para auxiliar na estrutura dessa etapa do evento, as perguntas do formulário da Matriz de Valor poderão ser úteis para organizar as informações que buscamos obter. Agora com as informações obtidas vamos para a segunda etapa desse processo, a Revisão. 

A etapa Revisão consiste em repensar ou revisitar a própria Visão sobre o mercado, após o conhecimento sobre qual é ou como é a Visão de nosso cliente. É o momento de questionar se essa jornada faz sentido e com qual intensidade vamos participar. 

Subimos junto ao mirante ou montanha e ajustamos o nosso foco ao foco do cliente. Agora que conhecemos em detalhes o que ele vê, pensa, sente, que sabemos quais são suas expectativas e quais são seus pontos de incômodo, poderemos partir para ajustarmos a nossa visão. 

Nesse momento os questionamentos que devem ser feitos são:

  • A forma como nosso cliente vê, pensa e sente seu mercado está próxima ou distante de como víamos, pensávamos e sentíamos? Suas expectativas estão alinhadas com as nossas expectativas?
  • O quanto podemos mitigar seus pontos de incomodo? Já temos soluções em curso? Estamos aptos para propor alternativas?
  • Existe um ambiente que permita a expansão de um plano de ganhos compartilhados?

Essa fase é importante e será fundamental para a decisão sobre qual o grau ou intensidade de relacionamento que vamos buscar. 

Utilizando as imagens da Matriz de Valor, teríamos quatro situações sobre essa intensidade de relacionamento;

No quadrante A há um distanciamento nas relações e há pouco reconhecimento de valor. Embora ocorram negócios, a relação está totalmente sustentada nas questões econômicas baseadas em preços e condições de pagamento. A conclusão é que dada a relevância desses quesitos há continuamente o risco de troca de fornecedor por uma oferta de preço mais baixo, uma vez que não existe reconhecimento de outros atributos de valor. Uma alternativa é encarar essa situação como sem possibilidade de alteração e focar os esforços em melhorar a posição na curva de custos da indústria e buscar ser mais competitivo nas batalhas por preço. Os riscos dessa situação são a possibilidade de perda de clientes ou a diminuição dos preços e margens.

Outra opção é se na etapa Visão, descobrirmos oportunidade para criação de valor, apresentarmos diferenciais competitivos que sejam reconhecidos e valorizados.  

O quadrante B pressupõe que o cliente enxerga mais valor no fornecedor do que o contrário. Esse caso pode representar um monopólio ou oligopólio ou ainda algum tipo de exclusividade no fornecimento. Todavia esse reconhecimento de valor pode ser circunstancial, por exemplo, pela falta de opções e significar algo como uma amarra. Nessa situação ao se deparar com outra opção o cliente poderá se sentir estimulado a se livrar desse vínculo. Aqui normalmente se opta por maximizar os resultados no curto prazo, diminuindo o custo de servir e sendo pouco flexível nas negociações. A grande ameaça nessa situação é que o cliente estará sempre buscando alternativas com concorrentes, novos entrantes ou produtos substitutos. 

Mas por outro lado, agora que conhecemos a Visão do cliente, podemos estreitar a relação e criar um ambiente de negócios mais propicio a criação mutua de valor.   

Já no quadrante C a empresa demanda grandes esforços para destacarse diante do cliente, porém este não retribui da mesma forma. Nesse caso pode haver falhas na maneira como o cliente tem percebido essas ações, e talvez algumas melhorias em comunicação possam corrigir isso. Por outro lado o cliente pode não ter interesse na expansão do crescimento da relação buscando apenas melhores condições econômicas, seja em preços mais baixos ou prazos de pagamento. O perigo aqui é investir em ações que resultem em um elevado custo de servir sem que exista uma contrapartida no reconhecimento.

Nesse caso a compreensão da visão do cliente permitirá ajustarmos o posicionamento, ou seja, talvez estejamos investindo esforços na direção errada e, portanto não atingindo os reais pontos de interesse do cliente. Por outro lado se não encontramos evidencias de que a relação pode passar para um patamar de reconhecimento reciproco de valor, o melhor será revisar os custos de servir e ir para o patamar A.

Aqui no quadrante D a empresa e o cliente reconhecem o valor um do outro e trabalham para manter relações significativas. Desenvolvem uma aliança baseada em atributos de difícil cópia e que resultam na geração de ganhos compartilhados. Nessa condição seu cliente lhe oferece o benefício da exclusividade e da lealdade, pois ele percebe que sua empresa, mais do que um fornecedor é um aliado com o mesmo foco, ao passo que a empresa procura continuamente oferecer uma proposta de valor única. 

Existem dois pontos de atenção aqui. O primeiro deles é a armadilha do hábito, quando a rotina interfere na capacidade de surpreender e o outro é perder de controle o custo de servir, cometendo excessos desnecessários. Pode parecer difícil distinguir isso, ou onde fica a fronteira de sempre surpreender, todavia evitando excessos. A proximidade e as conversas constantes permitirão enxergar os limites.

Na etapa Visão subimos ao mirante ou montanha e olhamos para onde chegar e procuramos conhecer o foco do cliente, o que ele vê e sente suas expectativas e seus incômodos. Depois disso seguimos para a etapa Revisão onde analisamos como é a relação com o cliente atual. É algo como ao ser convidado para uma viagem e então avaliar o destino, o roteiro, pesquisar como será a viagem dado o histórico do relacionamento etc. Agora vamos para nossa preparação, imaginar como será a jornada. 

No livro A Arte da Visão de Longo Prazo de Peter Schwartz Ed Best

Seller, há uma passagem onde o autor discorre sobre Memórias do Futuro e ele conta que: “o neurobiólogo David Ingvar descreveu os cenários como sendo memórias do futuro e que nossa mente conta histórias a si mesma a respeito do futuro. Algumas vezes as histórias são sobre os segundos seguintes e em outras ocasiões são relativas às próximas horas ou semanas” 

Com isso em mente para a próxima etapa, Previsão, vamos sonhar o futuro junto com nossos clientes utilizando seu foco e imaginando como será nossa participação e como serão as relações nesse futuro.     

Embora o ideal seja conseguirmos ter todos os clientes no quadrante D, na pratica isso acaba por não acontecer. O objetivo nessa etapa é, com base nas informações obtidas sobre a visão dos clientes, definirmos para onde e como conduziremos essas relações.

Agora que se conhece qual é a Visão dos clientes os ajustes podem ocorrer, dependendo do quadrante onde se encontram. Na pratica será como um processo de seleção e escolhas.

Para os clientes que se encontram no quadrante A, onde não há o reconhecimento mutuo de valor e a relações se baseiam apenas em decisões por preços uma alternativa é avaliar se existe espaço para o desenvolvimento de uma proposta de valor diferenciada que atenda as expectativas ou necessidades desses clientes de maneira tal a conduzir as negociações para um patamar além das questões de preço e prazo de pagamento. 

No caso onde não existir espaço para lapidar a relação com uma proposta de valor diferenciada, seja por questões econômicas, como quando o cliente atua em um segmento de baixo custo, ou por questões de irrelevância do insumo, quando se fornece peças normatizadas de baixo valor ofertadas por muitos fornecedores, a melhor opção será manter-se no quadrante A e trabalhar fortemente na redução de custos de produção e de servir.

Vale destacar que não há nada de errado em se ter clientes no quadrante A. O importante é mensurar se os indícios de que se trata de uma relação mais distante e fria têm de fato baixa possibilidade de serem alterados. Se isso se confirma, o melhor é atuar de maneira a atender de forma adequada, todavia com atenção especial aos custos.

No caso dos clientes posicionados no quadrante B ao se conhecer a visão deles será importante aferir cuidadosamente o risco de se perder um potencial bom cliente, menos sensível a preço e com amplas possibilidades de migrar para o quadrante D. Naturalmente esse cliente já atribui valor a relação agraciando a empresa com priorização nos pedidos e negócios. O problema está em não retribuir a altura essa distinção, ao contrário em muitas ocasiões oferecendo um mau atendimento. Um olhar acurado na Visão desse cliente poderá abrir possibilidades de novos negócios e ampliar a temperatura da relação. Mesmo no caso de não existir uma perspectiva de crescimento relevante, melhorias pontuais no atendimento mitigarão o risco de perda desse cliente para um concorrente, um novo entrante ou ser substituído por outro produto. 

No quadrante C o desafio está em revisar a forma como estamos servindo e encontrar atributos de valor que sejam realmente importantes para esse cliente. Para tanto é fundamental entender seus anseios e seus incômodos e procurar oferecer uma proposta de valor que lhe será útil ao ponto de sermos reconhecidos. 

Pode acontecer um descompasso entre nossas expectativas e a                        realidade na relação com o cliente. Por uma série de motivos entendemos com sendo um cliente importante com o qual queremos uma relação mais estreita. Ele pode ser importante pelos volumes negociados ou pela reputação, entretanto a contrapartida pode ser um relacionamento tenso, constantes solicitações de renegociação de preços, cancelamentos sem previa comunicação, devoluções injustificadas, descontinuidade de pedidos, ameaças de troca por concorrentes etc. Nesse cenário migrar para o quadrante A parece bem mais adequado.

Finalmente para os clientes no quadrante D o desafio é o de manter a relação sempre aquecida. A atenção deve ser redobrada, assim como a criatividade. Se no primeiro encontro você gentilmente abre a porta do carro isso surpreende. Quando faz isso sempre isso se torna corriqueiro… Mas se você não faz há uma percepção de que algo não está bem. Isso não significa que não se possa falhar, ao contrário faz parte do relacionamento. O principal é sempre estar dialogando em alto nível e, porque não, dividir também os maus momentos. Nesse estágio da relação tanto há espaço para novos desenvolvimentos, criações, avanços como também há espaço para partilha problemas e colaborar nas dificuldades.  

Movimentações dentro da matriz:

Para finalizar, sempre que trato do tema Visão em negócios me vem à lembrança o clássico e sempre atual artigo Miopia em Marketing escrito por Theodore Levitt e publicado pela primeira vez em 1960 na Harvard Business Review. Acredito que para se evitar o grave problema de miopia na Visão de mercado o melhor a se fazer é seguir o receituário do Dr. Cliente.  

Orivan Cássio Mattiuzzo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima